Fazenda no Rio de Janeiro trata escravidão como atração turística

Se a gente fosse oferecer um prêmio de close errado do ano, a Fazenda Santa Eufrásia, no Rio de Janeiro, seria uma forte candidata a recebê-lo. A propriedade foi construída por volta de 1830 e os funcionários (negros) fazem algumas vezes o papel de escravos, enquanto a dona da fazenda participa do espetáculo vestida de sinhá.

A denúncia foi feita pelo The Intercept, em matéria publicada ontem, 6. Quem recebe os visitantes que chegam à fazenda é Elizabeth Dolson, bisneta do coronel Horácio Lemos, que comprou a propriedade em 1905. Para entrar no personagem, ela se veste com roupas de época e se refere às funcionárias como mucamas.

Elizabeth viveu em Chicago (EUA) por 23 anos, onde trabalhava com turismo, e diz ter trazido de lá a ideia de encenar a escravidão, desconsiderando todo o debate sobre escravidão e raça feito nos EUA e Brasil. “Racismo? Por causa de quê? Por que eu me visto de sinhá e tenho mucamas que se vestem de mucamas? Que isso! Não! Não faço nada racista aqui. Qual é o problema de ter… não!”, respondeu, desconcertada, ao ser questionada sobre o racismo de seu teatro.

A sinhá tem um empregado que se veste de mucamo e contrata – de acordo com a demanda – mulheres para se vestirem de mucamas. “É um empregado, que mora aqui, que me ajuda, que se veste de mucamo também. Mas ele é branquinho! Então, a cor não tem nada a ver. Eu sou mais morena que esse empregado”,  justifica.

Essa postura não é vista como um problema. Em portais com dicas de turismo é possível ver elogios como: “D. Elisabeth nos recebe com gentileza, com trajes da época e nos conta a bela história da fazenda e de sua família”.

Para o historiador Luiz Antônio Simas, colégios e universidades ensinam a pensar exclusivamente com a cabeça do ocidente. “A escola brasileira é reprodutora de valores discriminatórios e inimiga radical da transgressão necessária. Não adianta a adoção de cotas para negros e índios se o ambiente escolar continuar reproduzindo apenas uma visão de mundo branca, cristã, européia, fundamentada em conceitos pré-concebidos de civilização que negam os saberes ancestrais e as invenções de mundo afro-ameríndias”, diz.

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A Santa Eufrásia fica localizada em Vassouras e é uma das construções mais importantes da região, por resguardar mobiliário e utensílios originais do século 19. Entre estes utensílios está um viramundo, um instrumento de tortura de escravos que ela exibe aos visitantes e, segundo a própria Elizabeth, não pertencia à fazenda, tendo sido um presente recebido por ela. Graças a estes aspectos, esta é a única fazenda particular tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (IPHAN-RJ).

O problema, porém, não reside apenas nas experiências oferecidas pelo local, mas no fato de tudo acontecer sem nenhuma reflexão a respeito das barbáries sofridas pela população negra durante a escravidão, muitas das quais ecoam até os dias de hoje. As visitas custam entre R$ 35 e R$ 65 e, ao invés de promover um resgate cultural do momento histórico do país, se vale da espetaculização da tragédia alheia.

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Se você desejar ser servido por uma pessoa negra vestida como uma escrava, você pode se hospedar na Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, a 111 km do centro do Rio. Foto: Igor Alecsander

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A região tem um histórico particular de selvageria contra negros feitos escravos. Tanto que, em 1829, o então fiscal da Vila de Valença (hoje Valença, município vizinho a Vassouras), Eleutério Delfim da Silva, demonstrou preocupação com os “castigos brutais que os escravos daquela Vila recebiam”, fazendo inclusive uma representação à Câmara expondo tais brutalidades. Mas isso parece não ser uma questão relevante para quem explora o potencial turístico da região. As pessoas que passam um dia descontraído nessas senzalas e casas grandes teriam coragem de pegar um trem na Polônia, rumo a Auschwitz, dividindo o assento com atores judeus sorridentes fantasiados de seus ancestrais?

Fotos: Reprodução Santa Eufrásia / Foto destaque: Reprodução Vimeo

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