
Uma mulher grávida de oito meses coberta dos pés à cabeça com lesões. Crianças pequenas com febre e feridas dolorosas. Um pai a pedir dinheiro para comprar antibióticos para o filho doente de cinco anos depois de ter sepultado outras duas crianças infectadas com varíola dos macacos.
Estas memórias atormentam Divin Malekani, ecologista da Universidade de Kinshasa, na República Democrática do Congo (RDC), que faz consultoria em projetos da Wildlife Conservation Society, uma organização sem fins lucrativos, para ajudar a reduzir a exposição humana a doenças transmitidas por animais. “Vi muitos casos de pessoas doentes com varíola dos macacos”, diz Divin Malekani, referindo-se a uma viagem que fez no ano passado a uma província remota no noroeste do país.

A varíola dos macacos, uma doença viral relacionada com a varíola que tem duas variantes conhecidas, foi nomeada em 1958 depois de ter sido identificada numa colónia de macacos de pesquisa num laboratório em Copenhaga. (Os cientistas acreditam que são os roedores, e não os primatas, o principal reservatório da doença.) A forma mais moderada desta doença é a Clade II, também conhecida por variante da África Ocidental, que se tornou global em maio. Até ao momento, esta variante já infetou mais de 70.000 pessoas, matando pelo menos 30, em mais de uma centena de países e territórios, sendo que a esmagadora maioria são homens homossexuais. Os casos, tanto nos EUA como globalmente, estão a diminuir graças à vacinação e a alterações no comportamento sexual. Os Centros de Controlo de Doenças de África relatam que este ano a maioria dos 3.500 casos suspeitos de Clade I (ou estirpe da Bacia do Congo), incluindo mais de 120 mortos, são na RDC. A Nigéria, onde começou o surto de Clade II, teve cerca de 700 casos suspeitos, com menos de 10 mortos. Os especialistas em saúde consultados pela National Geographic sobre o aumento constante da variante Clade I na África Central dizem que os países devem preocupar-se com a ameaça que representam para as comunidades globais e tomar medidas mais fortes para impedir que esta e outras doenças transmitidas por animais se propaguem pelo mundo inteiro. “Se a estirpe da África Ocidental se pode propagar pela Europa, América e por outras partes do mundo, a estirpe mais virulenta e patogénica da Bacia do Congo também pode chegar aos mesmos locais”, diz Dimie Ogoina, especialista em doenças infeciosas da Universidade Niger Delta, na região sul da Nigéria. “As partes internacionais interessadas na saúde devem ser deliberadas na ajuda dada para lidar com a varíola dos macacos e outras doenças em África. Porque se não o fizermos, isto vai regressar para nos atormentar.” Alertas ignorados Dimie Ogoina tem algum conhecimento sobre a varíola dos macacos, porque é o pediatra que, em setembro de 2017, confirmou a doença num menino de 11 anos – o primeiro caso de varíola humana na Nigéria em quase 40 anos. É também o investigador que alertou, há quatro anos, que parecia haver uma alteração alarmante não apenas na forma como o vírus era transmitido, mas também em quem estava a ser infetado.

Quando este surto emergiu, os especialistas acreditavam que a doença se estava a comportar da mesma forma observada noutras partes de África, afetando principalmente pessoas que tinham interagido com animais selvagens infetados com varíola dos macacos, muitas vezes enquanto caçavam, preparavam carne ou tinham contacto de proximidade com uma pessoa que contraíra a doença através de um animal. Normalmente, estes surtos desvaneciam. Contudo, inesperadamente, Dimie Ogoina e os seus colegas repararam numa tendência invulgar: a maioria das pessoas diagnosticadas com varíola dos macacos na sua clínica não vivia em áreas rurais – eram jovens profissionais da classe média que viviam em cidades movimentadas, e as suas lesões estavam fortemente concentradas nos genitais. A comunidade científica duvidou das descobertas de Dimie Ogoina. “O que estávamos a observar era fora do normal”, diz Dimie. “Portanto, as pessoas não estavam dispostas a aceitar.” “Os casos de varíola dos macacos têm continuado a aumentar nos últimos 12 anos na RDC, bem como noutros países da África Central e Ocidental”, diz Anne Rimoin. Embora o modo de transmissão da Clade I – que ainda passa da vida selvagem infetada para as pessoas – seja diferente da forma como a doença se propagou da África Ocidental para o mundo, isso pode mudar. “Podemos não estar a ver isso agora, mas não significa que não iremos ver. Se houve alguma coisa que a pandemia de COVID-19 nos ensinou”, diz Anne, “é que uma infeção em qualquer lugar tem potencial para uma infeção em todo o lado”. Prevenção de transbordamentos Prevenir transbordos Mais de 60 anos depois de a varíola dos macacos ter sido descoberta em macacos de laboratório, os cientistas ainda continuam a tentar identificar os animais selvagens onde o vírus vive, cresce e multiplica. Em 2012, Divin Malekani, ecologista da Universidade de Kinshasa, juntou-se a uma equipa de investigação que tentava reduzir o número de animais suspeitos. Os cientistas capturaram ou compraram a caçadores mais de 350 mamíferos numa área da RDC onde as infeções por varíola dos macacos ultrapassavam em média as 660 pessoas por ano. Os investigadores encontraram anticorpos contra a varíola em sete animais, incluindo em esquilos, num arganaz africano e num rato Cricetomys – animais que são fontes de alimento. Na RDC, de acordo com as Nações Unidas, cerca de 27 milhões de pessoas – um quarto da população – lutam contra a fome. Muitas não têm escolha a não ser caçar para sobreviver.

A possibilidade de haver carne selvagem infetada com varíola dos macacos a chegar a um mercado em Kinshasa, a maior cidade de África, onde é consumida como uma iguaria – um gostinho de casa – preocupa Divin Malekani e outros especialistas. Os países precisam de ajudar as pessoas a reduzir o consumo de carne selvagem, para evitar o aparecimento de pandemias, diz Sarah Olson, epidemiologista da Wildlife Conservation Society. “Isto não vai fechar o génio novamente na lâmpada, mas pode reduzir a futura transmissão de varíola dos macacos e de outras doenças da vida selvagem para as pessoas.”
Ao conciliar os países em preparação para responder às doenças infeciosas, a Organização Mundial de Saúde está a tomar medidas para criar um tratado pandémico internacional que seja vinculativo juridicamente. Alguns investigadores estão preocupados com o facto de o foco estar demasiado concentrado no tratamento da doença quando esta chega aos humanos, em vez de nos esforços para impedir que os patógenos “transbordem” dos animais para as pessoas.

Henriete Bakete Wanda, de 13 anos, está em isolamento num quarto hospitalar onde está a receber tratamento com antibióticos para uma infeção por varíola dos macacos, depois de a sua mãe ter rapidamente reconhecido os sintomas e procurado ajuda. Enquanto isso, na RDC, formadores do Fundo Internacional de Conservação e Educação estão a viajar de aldeia em aldeia, onde mostram vídeos com habitantes locais a falar sobre as suas experiências com a varíola dos macacos e formas de evitar a doença. Um homem conta que a febre do seu bebé estava tão alta que ele sentiu como se estivesse a dormir ao lado de uma fogueira. No hospital, o bebé desenvolveu lesões que se espalharam pelo corpo inteiro, incluindo rosto, mãos e pés. A doença ficou tão grave que o bebé faleceu, deixando os pais perplexos. Outros aldeões partilham histórias semelhantes sobre a intensidade da estirpe mais mortal da varíola dos macacos – crianças com “inchaços” no rosto e gargantas tão inchadas que mal conseguem comer ou beber. “Se tivéssemos de lançar os dados, na verdade até tivemos sorte com a variante que se espalhou pelo mundo inteiro”, diz Sarah Olson. “Ainda há uma oportunidade para compreender o que está a acontecer com a outra variante do vírus antes de as coisas descarrilarem.” Photo BYBRENT STIRTON/fonte via