O quanto antes

“Um centavo só por uma alma uma orquídea por um desalento uma abóbora por um detalhe um silêncio por qualquer silêncio” [O fundo do poço é bem aqui, onde as vantagens superam as vontades; Onde aquela disposição animal aflorada se esfarela em migalhas, secas pelos olhares metódicos da inconfiabilidade. Tragam as flores! meu humor acabou de mrorer] “Uma cara, ao menos, por um tapa uma rosa por algum espinho uma vida só por uma noite uma noite por algum carinho” [Não preciso nem destrinchar e classificar a aproximação por amizade, amor, tesão, afinidade ou qualquer loucura que faça um ser humano querer ficar mais perto de outro ser humano. O que conta hoje é o benefício. E os riscos? – risco é uma palavra quase extinta nos novos dicionários de relacionamentos. O lema é “prospectar bem para evitar terror”] “O terror agora é a minha fúria e essa fúria agora é a minha malandragem o terror agora é uma carroça tirando chinfra de carruagem” [A insânia de se perceber imerso em uma convivência desconhecida é, hoje, suicídio ou, de fato, insânia. Antes de se aprofundar, existe o procedimento de pesquisa densa de antecedentes (da pessoa “candidata” e de seus próprios traumas anteriores) e uma fase de compatibilidade e produtividade afetiva. Um sorriso envergonhado, uma encarada sincera e até um toque inesperado será computado como gesto desnecessário ou disperdício de sentimentalidade] “Por favor, depressa,já é tarde e o teu desejo agora é meu silêncio eu só preciso de mais um pouco pra me curar desse deserto” [O desespero que me toma é por conta dessa sede de aproximações mais infantis, mais instintivas. A minha ansiedade é pela retirada de profissionalismo no modo de adquirir um amigo, uma paquera ou uma boa foda. O meu pedido é pela anulação a burocracia sentimental, pela banalização dos contatos imediatos entre pessoas, pela ausência de verborragia num simples “eu gosto de você”] ”Por favor, depressa, já é cedo o seu silêncio agora é meu desejo eu só queria cantar mais um pouco pra te ter mais um pouco” [Podem falar que sou Old School, mas prezo mesmo pela ingenuidade terrena de se achar perdidamente atraído por alguém, sem cogitar passados, presentes e muito menos, futuros. Sem levar em consideração os auxílios do ambiente, dos fatores externos, a cabeça boa (ou não), a escolaridade, o doce preferido, as tendências sócio-político-religiosas] [Só quero ver a volta dos amores de verão, das paixões platônicas, das idéias equivocadas de alegrias eternas, dos suspiros iniciais e dos insultos finais. Se alguém me roubou tudo isso, devolva e será recompensado] [Tragam-me de volta as noites sem dormir, as inspirações pra poemas de simplicidade extrema, as distrações no trabalho e na hora do jantar com a família]

Esculpir d’afectos

Das lezírias os trevos declinados ao sopé das colinas e dali, das estrebarias, o cheiro das aveias e dos fenos a esculpir d’afectos as narinas abertas dos animais. Afago ao de leve cerdas ao tempo, entrelaço, na brandura da noite, uma a uma, pérolas, fitas coloridas, em crinas hirtas de poemas e deixo que minha cabeça tombe que livre entorpeça e sonhe se carrego todas as dores das negras mulheres d’Atenas. Abraço-te p’lo pescoço, coloco o pé descalço em estribo. Ágil, salto. Aninho-me então longitudinalmente em teu dorso. Segredo-te felina ao teu ouvido: – Sabes … Gosto! Gosto quando me prendes, quando me dobras pela cintura e examinas o que se mostra, o que se esconde, no vórtice sedoso do decote … […] E de novo e novamente m’enlaças e me danças lépido e franco e me profanas e me endeusas na sensualidade latina de um Tango o fogo alado do meu corpo… Neste rio inexpugnável de lembranças de que me (re)invento e jejuando, m’alimento, viajo mística em várzeas supremas d’alecrim e d’hortelã, saio e entro, mil vezes, vezes sem fim, em celibato de alma, em nomadismo cigano, por dentro do rio salgado de mim sem hoje sem amanhã …assim. E sou ausência e sou presença aconchegada nos meus braços; E sou Infanta se danço a valsa debutante na ternura, na tremura dos teus passos…

POEMA DE BOA NOITE

o leitor deve vestir o poema. a primeira manga são os primeiros indícios, a segunda manga uma assimilação maior. e depois, na parte do corpo central, um progresso de confusão, um cardume de horas atravessando a boca. o leitor deve vestir o poema, não primeiro do avesso, mas vendo o sol que é uma natureza intacta, vendo as palavras que são um meio de incomunicação. um dia o leitor vestirá o poema pela parte de dentro, pelos significados que aumentam o mundo, pelos bichos que vão comendo o silêncio. um dia o leitor não poderá sair do poema e dirá boa noite de olhos bem fechados.