A Felicidade

Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a pluma Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira Pra tudo se acabar na quarta-feira Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranqüila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor A felicidade é uma coisa boa E tão delicada também Tem flores e amores De todas as cores Tem ninhos de passarinhos Tudo de bom ela tem E é por ela ser assim tão delicada Que eu trato dela sempre muito bem Tristeza não tem fim Felicidade sim A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor Pra que ela acorde alegre com o dia Oferecendo beijos de amor

Tu que pintas sonhos

Tu que pintas sonhos Poemas e abraços Pinta a paz ao mundo Desfeito em pedaços Vais pôr nessa tela Amor e esperança Almas cristalinas Sem ódio e vingança Porás também pão Justiça irmandade Casa para todos Amor lealdade E com restos de tinta Das tuas ilusões Pinta,pinta, pinta Pinta corações…

Amor à primeira vista

Ambos estão convencidos que os uniu uma paixão súbita. É bela esta certeza, mas a incerteza é mais bela ainda. Julgam que por não se terem encontrado antes, nada entre eles nunca ainda se passara. E que diriam as ruas, as escadas, os corredores onde se podem há muito ter cruzado? Gostaria de lhes perguntar se não se lembram — talvez nas portas giratórias, um dia, face a face? algum “desculpe” num grande aperto de gente? uma voz de que “é engano” ao telefone? — mas sei o que respondem. Não, não se lembram. Muito os admiraria saber que desde há muito se divertia com eles o acaso. Ainda não completamente preparado para se transformar em destino para eles, aproximou-os e afastou-os, barrou-lhes o caminho e, abafando as gargalhadas, lá seguiu saltando ao lado deles. Houve marcas, sinais, que importa se ilegíveis. Haverá talvez três anos ou terça-feira passada, certa folhinha esvoaçante de um braço a outro braço. Algo que se perdeu e encontrou? Quem sabe se já uma bola nos silvados da infância? Punhos de poeta e campainhas onde a seu tempo o toque de uma mão tocou o outro toque. As malas lado a lado no depósito. Talvez acaso até um mesmo sonho que logo o acordar desvaneceu. Porque cada início é só continuação, e o livro das ocorrências está sempre aberto ao meio.

Quarto do suicida

Vocês devem achar, sem dúvida, que o quarto esteve vazio. Mas lá havia três cadeiras de encosto firmes. Uma boa lâmpada para afastar a escuridão. Uma mesa, sobre a mesa uma carteira, jornais. Buda sereno, Jesus doloroso, sete elefantes para boa sorte, e na gaveta – um caderno. Vocês acham que nele não estavam nossos endereços? Acham que faltavam livros, quadros ou discos? Mas da parede sorria Saskia com sua flor cordial, Alegria, a faísca dos deuses, a corneta consolatória nas mãos negras. Na estante, Ulisses repousando depois dos esforços do Canto Cinco. Os rnoralistas, seus nomes em letras douradas nas lindas lombadas de couro. Os políticos ao lado, muito retos. E não era sem saída este quarto, aos menos pela porta, nem sem vista, ao menos pela janela. Binóculos de longo alcance no parapeito. Uma mosca zumbindo – ou seja, ainda viva. Acham então que talvez uma carta explicava algo. Mas se eu disser que não havia carta nenhuma – éramos tantos, os amigos, e todos coubemos dentro de um envelope vazio encostado num copo.

Doença do amor

O amor é uma doença. Eu sinto náuseas, febres, dores musculares. Eu acordo assustada no meio da noite. Eu choro à toa.