Em Bangladesh, homens desesperados por emprego fazem um dos trabalhos mais perigosos do mundo

NG - Na maré baixa, operários de desmanche de navio levam um cabo de 5 toneladas a um cargueiro encalhado para içar os pedaços removidos e depô-los na praia.
Na maré baixa, operários de desmanche de navio levam um cabo de 5 toneladas a um cargueiro encalhado para içar os pedaços removidos e depô-los na praia.

Já haviam me avisado que seria difícil entrar nos estaleiros de desmanche de Bangladesh. “Antes eram uma atração turística”, conta um morador da área. “As pessoas vinham ver homens desmontarem navios com as mãos. Agora não deixam mais gente de fora entrar.” Caminho por um longo trecho pela estrada paralela à baía de Bengala, ao norte da cidade de Chittagong,onde 80 estaleiros especializados alinham-se por 12 quilômetros da costa. Cada um deles protege-se atrás de cercas altas encimadas por arame farpado. Há guardas a postos e placas de proibido fotografar. Os forasteiros passaram a ser ainda mais indesejáveis em anos recentes, depois que uma explosão matou vários operários, levando os críticos a dizer que os proprietários põem o lucro acima da segurança. “Apesar de tantas proibições, não podem bloquear o mar”, me diz o morador.

NG - Estes operários dizem ter 14 anos – por lei, a idade mínima para trabalhar nos estaleiros

Estes operários dizem ter 14 anos – por lei, a idade mínima para trabalhar nos estaleiros. Os administradores preferem os jovens porque são mais baratos e sabem menos sobre os perigos. Além disso, os pequenos conseguem entrar nos desvãos mais apertados do navio.

 

Por isso, certa tarde, contrato um pescador para me levar em uma excursão aquática pelos estaleiros. Na maré alta, o mar engolfa as filas de petroleiros e porta-contêineres encalhados, e nos deslocamos discretamente pelas longas sombras projetadas por suas chaminés e superestruturas. Algumas embarcações estão ainda intactas, como se tivessem acabado de chegar. Outras são apenas esqueletos, com a pele de aço arrancada, revelando seus negros porões cavernosos.

NG - Depois que operários passaram vários dias cortando os conveses do Leona I, um pedaço grande despenca de repente e lança estilhaços de aço na direção dos administradores do estaleiro
Depois que operários passaram vários dias cortando os conveses do Leona I, um pedaço grande despenca de repente e lança estilhaços de aço na direção dos administradores do estaleiro. Construído em Split, na Croácia, o cargueiro navegou por 30 anos, a vida útil média de um navio.

 

Nosso barco segue à deriva, passando ao lado de cascos incrustados de cracas e sob as lâminas de hélices enormes. Leio os nomes e as bandeiras de países diversos pintados nas popas: Front Breaker (Comores), V Europe (Ilhas Marshall), Glory B (Panamá). Fico imaginando que cargas eles podem ter transportado, que portos visitaram, que tripulações os manejaram.

NG - O aço dos cascos é removido em placas de no mínimo 500 quilos cada uma
O aço dos cascos é removido em placas de no mínimo 500 quilos cada uma. Com força bruta e rolos improvisados, operários levam para caminhões as placas que, depois, nas siderúrgicas, são convertidas em vergalhões para a construção civil.

 

A vida útil aproximada desses navios de carga é de 25 a 30 anos. Portanto, a maioria deles provavelmente fez sua primeira viagem nos anos 1980. O custo progressivo do seguro e da manutenção de embarcações velhas torna sua operação não lucrativa. O valor desses gigantes dos mares, em seu ocaso, está sobretudo na carcaça de aço.

NG - Cortadores munidos de maçarico de acetileno primeiro removem os acessórios do navio e depois despedaçam as camadas de convés
Cortadores munidos de maçarico de acetileno primeiro removem os acessórios do navio e depois despedaçam as camadas de convés. A demolição leva de três a seis meses, de acordo com o tamanho do navio.

NG - Desatentos ao risco de câncer do pulmão, operários espantam o frio da noite queimando uma junta de tubulação, que provavelmente contém asbesto

Desatentos ao risco de câncer do pulmão, operários espantam o frio da noite queimando uma junta de tubulação, que provavelmente contém asbesto.


Carregadores passam o dia besuntados de lama contaminada com metais pesados e partículas de tinta tóxicas

Carregadores passam o dia besuntados de lama contaminada com metais pesados e partículas de tinta tóxicas, que transudam dos navios para as planícies de maré.


NG - Em Dhunot, um vilarejo nos contrafortes do Himalaia, cerca de 300 pessoas comparecem ao enterro de Rana Babu

Em Dhunot, um vilarejo nos contrafortes do Himalaia, cerca de 300 pessoas comparecem ao enterro de Rana Babu, um operário de desmanche de navio que morreu aos 22 anos, quando um maçarico pôs fogo em um bolsão de gás e causou uma explosão. “Era um garoto ainda”, diz um dos enlutados. “Por que essas coisas continuam a acontecer?”

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