
Símbolo botânico de Socotra, a dragoeira tem os galhos voltados para cima a fim de captar a umidade da neblina em terras altas. O temor dos conservacionistas é que a sua baixa capacidade de reprodução coloque em risco o futuro da espécie
É quase meia-noite na ampla colina conhecida como Firmihin, onde cresce uma floresta de dragoeiros. A lua, uma noite depois do plenilúnio, inunda a paisagem recortada de um prateado refrescante. Dentro dos muros de pedra do lugar onde vive um pastor, as chamas iluminam os rostos de quatro pessoas descalças que, sentadas ao redor da fogueira, compartilham chá quente com leite fresco de cabra.

A lua cheia se ergue sobre o platô de Diksam, onde os dragoeiros crescem em aglomerações espalhadas. O calcário das planícies interiores de Socotra se formou quando mares ancestrais cobriram a terra.
Neehah Maalha veste uma espécie de sarongue conhecido como fouta; a sua mulher, Metagal, está com um vestido comprido e, na cabeça, um lenço de tom roxo vívido. Eles contam da vida que levam na ilha de Socotra, usando uma língua de origem imemorial – inalterada há séculos e hoje falada por menos de 50 mil pessoas.

Antigos períodos de atividade vulcânica originaram os montes Hajhir, onde recortados picos de granito elevam-se a quase 1500 metros. A nebulosidade noturna proporciona umidade crucial para uma das floras mais diversificadas da Ásia.
Embora o casal seja analfabeto, ambos sabem que a nova placa ao pé da colina informa que Firmihin foi declarada reserva natural protegida. Forasteiros costumam visitar o seu povoado, contam eles, para fotografar os dragoeiros, as plantas conhecidas como rosas-do-deserto e as flores asclepiadáceas mishhahir. Também aparecem por lá cientistas, que reviram as pedras, dizendo que estão coletando insetos e lagartos. Mas, na verdade, o que será mesmo que estão procurando?

O Chamaeleo monachus só existe em Socotra, assim como 90% dos outros répteis na ilha. Segundo os moradores locais, o camaleão é mágico e quem o ouvir sibilando acaba perdendo a fala
Localizada no mar da Arábia, a 350 quilômetros da costa do turbulento Iêmen, do qual faz parte, Socotra foi no passado um local lendário que ficava no extremo dos mapas do mundo então conhecido. Para os marinheiros, era um lugar temível, com baixios traiçoeiros, tempestades ferozes e moradores que tinham a fama de controlar os ventos e de conduzir os barcos às suas praias para que fossem capturados e saqueados. Atualmente, porém, é a rica diversidade biológica de Socotra que atrai novos exploradores, os quais esperam desvendar os segredos locais antes que a ilha seja para sempre alterada pelo mundo moderno.

Caramujos sobem nas árvores da planície árida de Zahr em Socotra para fugir do calor e também dos besouros carnívoros, mas ficam expostos a pássaros famintos
De um instante para outro, a preocupação estampada no rosto de Metagal dá lugar a um sorriso absorto. Ela desaparece na escuridão e, ao voltar, me oferece um pequeno pacote embrulhado em papel. Não estaria interessado em comprar um pouco de incenso? Neehah apanha um pedaço minúsculo e o coloca sobre uma brasa na fogueira. A fumaça se eleva rodopiando e aspiramos o rico aroma que perfumou os funerais dos faraós e os templos dos deuses gregos.

Nos bosques de dragoeiros quase não se encontram brotos e árvores jovens. Para alguns cientistas isto se deve à escassez de água, ocasionada por uma redução na cobertura sazonal de nuvens – o que talvez leve ao desaparecimento de muitos bosques no prazo de um século
Os antigos egípcios, gregos e romanos aproveitaram todos os tesouros do mundo natural de Socotra: resinas aromáticas como o olíbano, o extrato medicinal de aloé e o sangue-de-drago, a seiva rubra do dragoeiro, usada tanto na medicina como corante. As riquezas da ilha eram retiradas por aventureiros, a despeito dos relatos de que era protegida por serpentes gigantes que viviam em suas cavernas. A rainha de Sabá, Alexandre Magno e Marco Polo estavam entre os que cobiçaram as riquezas de Socotra.

Um wadi, ou riacho sazonal, serpenteia para o sul entre cristas das montanhas Hajhir. Apesar de a maior parte do granito dessas formações ser avermelhado, uma cobertura de líquen faz algumas pedras parecerem brancas
O valor do olíbano e do sangue-de-drago alcançou o auge na época do Império Romano. Depois disso, a ilha serviu sobretudo de escala para mercadores, atravessando séculos em relativo isolamento cultural. Os habitantes de Socotra continuaram a viver, geração após geração, tal como os seus antepassados: nas montanhas, os beduínos cuidavam dos rebanhos de cabras; no litoral, vivia-se da pesca; e todos colhiam os frutos das tamareiras. A história da ilha era transmitida por meio da poesia, recitada na língua socotri.

O caranguejo de água-doce Socotrapotamon socotrensis é endêmico na ilha. Sem a concorrência de peixes nativos, esses predadores ocupam o topo da cadeia trófica aquática
Além de sua posição estratégica diante do Chifre da África, simplesmente não havia nada mais em Socotra que despertasse o interesse do resto do mundo. Mas isto mudou.

Conhecida como mishhahir em Socotra, essa planta suculenta serviu, em épocas de fome, de alimento de emergência para os moradores locais. As suas flores constituem raros pontos de cor em meio ao calcário cinzento na área de Firmihin

A rosa do deserto ganhou este nome devido a seus botões, apesar de a planta não ter relação com rosas cultivadas. Pastores amarram tiras da casca venenosa do tronco no pescoço de cabritos para tentar protegê-los dos gatos selvagens que costumam atacar

Ofuscantes dunas de areia branca estendem-se por quilômetros em áreas como o litoral sul de Socotra, entre as quais esta praia, a Aomak. Os ventos intensos na época das monções reconfiguram continuamente as dunas

Um atobá-pardo pousa na costa ocidental. Pelo menos dez tipos de aves marinhas se reproduzem em Socotra e nas três ilhotas adjacentes, o que faz do arquipélago um importante hábitat para as aves na região

O litoral variado de Socotra inclui praia de areia, pedregulhos, planícies enlameadas e recifes de corais fósseis e vivos. Os recursos marinhos continuam sendo vitais: muitos ilhéus ganham a vida com a pesca, pelo menos durante parte do ano

Uma árvore de incenso cresce em Homhil, uma área protegida na extremidade oeste da ilha. Antigamente, a resina das árvores de incenso era valorizada por seu aroma; grandes quantidades dela eram queimadas em enterros e em ocasiões cerimoniais

Arbustos de cróton como estes costumam ser altos, mas no alto deste penhasco do litoral sudoeste de Socotra, este aqui foi “podado” a uma forma reduzida por ventos constantes de mais de 30 quilômetros por hora

Uma falcão fêmea leva alimento para os filhotes em um penhasco no litoral sul de Socotra. Estas, junto com outras aves de rapina da região, são os principais predadores na ilha

Uma rosa-do-deserto se agarra ao penhasco Maalah, juntamente com mais de 300 outras espécies vegetais raras que se encontram em Socotra. Ao longe está Qulansiyah, um dos maiores povoados da ilha
Foto: Michael Melford
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