Os nomes da família Kunz parecem uma versão gaúcha do livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Ao invés de Aurelianos e José Arcadios, como os Buendía, os Kunz optaram pelos nomes Júlio e Emílio, que se repetem ao longo das gerações.
Mas essa não é a única tradição repetida ao longo dos anos. Desde que o artesão Johann Philipp chegou ao Brasil, vindo da Alemanha, em 1846, com uma receita familiar de licor de ervas, não houve uma geração que não se aventurasse a criar novas bebidas. Além do licor, Johann fabricava carroças, peças de montaria e sapatos e trouxe da Alemanha uma tecnologia inovadora na época para a região: o lombilho, ou “serigote”, como ficaria conhecido no sul do Brasil.
O nome, que vem de “sehr gut” (“muito bom”, em alemão), marcaria mais a história da família do que o recém-chegado Johann poderia imaginar. Agora nós viramos as páginas de Gabriel García Márquez para nos transportar para outras: a trilogia “O Tempo e o Vento“, de Erico Verissimo. Embora nunca tenha conhecido quem trouxe a tecnologia do serigote ao Brasil, o escritor conheceu o neto de Johann, Emílio Kunz, cujo nome foi inspirado no navio que trouxe o avô ao Brasil.
Foto acima © Lilian Lima / Foto destaque © Geremias Orlandi
Emílio havia fundado em Gramado a Vinícola Petronius, localizada em um casarão de madeira no centro da cidade. Depois de se transferir para outra localização, ele costumava alugar a casa antiga e um de seus hóspedes foi justamente o escritor gaúcho. Anos depois, Erico Verissimo pediria à família autorização para usar o sobrenome Kunz em um de seus personagens enquanto narrava a chegada dos alemães a Santa Fé nas páginas de “O Continente”. Daí nasceu Erwin Kunz, personagem que ganhou o apelido de “Serigote” no livro.
Hoje “Serigote” não é apenas o lombilho ou o personagem de Erico, a palavra também dá nome a uma linha de cachaças lançada pela Petronius Beverages, uma fábrica de bebidas fundada pela família em 2013. As garrafas da Cachaça Serigote são arte pura: produzidas com a técnica de desenho com caneta esferográfica pelo artista plástico Rafael Dambros, registram personagens e cenas da saga de Erico Verissimo.
Quem me conta a história da família é Julio Kunz, durante os noventa minutos de viagem que separam Porto Alegre da sede da Petronius Beverages, em São Valentim da 2ª Légua, interior de Caxias do Sul. Os últimos dez minutos de viagem são por estrada de chão, quando o balanço do carro combina com a vista da serra gaúcha ao nosso redor.
Fotos © Mariana Dutra
Júlio faz parte da sexta geração da família Kunz no Brasil. Desde a chegada ao país, não houve uma geração que não se dedicasse à criação de bebidas. Seu avô Eloy, por exemplo, chegou a fundar a empresa E. Kunz, que comercializava licores e cachaças, bem como uísques de nomes inusitados – caso do Cockland, que remetia a Flores da Cunha, a “Terra do Galo”; e do Gayscotch, que pretendia mostrar a alegria de tomar a bebida.
Hoje a Petronius Beverages é quem cumpre a responsabilidade de seguir com o legado de criação de bebidas da família. Liderada pelo mestre cervejeiro Emílio Neto ao lado de Júlio e Augusto, seus filhos e sócios, a empresa já possui uma linha de cervejas especiais, a Schatz, bem como as cachaças Serigote.
Foto © Geremias Orlandi
A convite da empresa, nós degustamos cinco variedades da Schatz Bier: Muskat Bier, Pink Muskat, Blond, Am Ipa e (nossa preferida!) Scot. As cervejas foram o primeiro produto da empresa, que existe desde 2013 em Caxias do Sul. A propriedade foi escolhida por sua beleza e também por um diferencial: é onde fica localizada a casa mais antiga da cidade, construída em 1876.
É essa casa aqui!
Embora esteja a poucos minutos de carro do centro da cidade, a região tem cara de área rural e foi a escolha perfeita para colocar em prática os projetos de sustentabilidade previstos pela empresa. E a questão ambiental está presente até mesmo em pequenos detalhes: cada litro da cerveja Schatz, por exemplo, utiliza apenas dois litros de água em sua produção – enquanto em cervejarias convencionais esse número pode chegar a cinco litros de água para cada litro de cerveja. Além disso, a cerveja utiliza água da chuva tratada em sua produção.
Os efluentes produzidos pela fábrica são tratados e não saem dali: voltam como adubo para os vinhedos. Os resíduos sólidos também não são jogados fora, mas vendidos para fazendas na região, servindo como alimento para os animais. A caldeira utilizada no local é mantida com lenha de reflorestamento e até mesmo o processo de pasteurização das cervejas utiliza água reaproveitada.
Fotos © Mariana Dutra fonte