Formado em estudos asiáticos, Michael Yamashita misturou suas duas paixões: fotografia e viagens
Quando comecei a fotografar, não tinha intenção de fazer da fotografia o foco de minha vida profissional. Minha curiosidade sobre o mundo e minha paixão pelas viagens aos poucos acabaram se tornando um modo de vida absorvente. Embora eu não tenha dado conta na época, minha carreira começou de fato na faculdade. Quando fui a Londres passar um ano estudando, lá comprei uma moto usada, uma Triumph 650 Bonneville, com a qual, levando só uma mochila e uma Nikon emprestada, resolvi ir à Tunísia. A paisagem exótica e impregnada de luz da África do Norte foi a centelha que ateou o fogo em minha obsessão pelas viagens e pela fotografia.
Após me formar, fui ao Japão, em uma “volta às raízes”, para conhecer um pouco o país de meus avós. Lá comprei minha primeira câmera e me inscrevi em um clube de fotografia em Tóquio, basicamente para conhecer pessoas e melhorar o meu japonês, mas acabei sendo fisgado. Um diretor de arte viu algumas de minhas imagens que eu apresentara no clube e me propôs o meu primeiro trabalho profissional. Isso me permitiu conhecer o resto da Ásia, viver em um veleiro em Cingapura e explorar o mar do sul da China.
Sete anos depois voltei aos Estados Unidos e fui direto a NATIONAL GEOGRAPHIC, onde todo fotógrafo sonha em trabalhar. Saí de lá sem nenhuma promessa, mas carregado de filmes e com a sugestão de que voltasse com uma história. Isso aconteceu há 30 anos e, desde então, tenho retornado a NATIONAL GEOGRAPHIC com novas histórias. A maioria delas reflete minha paixão pelas viagens. Sou fascinado pelos grandes périplos de viajantes famosos, como Marco Polo ou o almirante chinês Zheng He, não só pela aventura mas também pelo desafio de documentar culturas e locais antigos pela óptica de uma lente moderna, ou seja, de contar uma velha história de maneira nova.
Sempre digo que os fotógrafos são pagos para ter sorte, e tive confirmação disso em uma das minhas primeiras viagens, na qual percorri o rio Mekong, da nascente, na China, à foz, no Vietnã. Os povoados e vilarejos no trecho superior do rio haviam estado inacessíveis ao mundo desde a revolução comunista na China, em 1949. Devido à guerra e às circunstâncias políticas, Camboja, Laos e Vietnã também haviam estado fechados, mas em 1989 as tensões começavam a se dissipar, permitindo que eu realizasse uma viagem que nenhum outro fotógrafo havia feito antes. Descendo o rio através de seis países e culturas diferentes, tive a oportunidade de ver um modo de vida ainda intocado pelo turismo e pelo comercialismo. Em termos pessoais, essa experiência também se revelou muito afortunada, pois foi no Vietnã que minha mulher e eu adotamos nossa filha. Em 2000, o que me levou a refazer os passos de Marco Polo para uma série de três artigos era responder à questão colocada pela historiadora Frances Wood no livro Marco Polo Foi à China?. Minha intenção era provar que ele havia ido – ou não – usando como guia o próprio relato do viajante italiano. De fato encontrei e registrei cenas e locais descritos por Polo e que se haviam mantido inalterados desde suas viagens no século 13. Também percorri regiões do Afeganistão e do Iraque antes de terem sido destruídas ou fechadas devido às guerras desencadeadas pelo 11 de Setembro.
Além dos relatos de grandes viagens, adoro aqueles que esclarecem as tradições e o passado. Foi por isso que passei tanto tempo na China, que sempre me reserva muitos desafios e surpresas. Mas estou convencido de que a boa fotografia deve sempre surpreender. Foi isso o que me levou a dedicar mais de um ano à documentação da Grande Muralha. Eu queria ir além do óbvio e do emblemático para desmascarar muitos dos mitos em torno dela e mostrá-la como elemento vivo da história.
No início de minha carreira, eu agarrava todas as propostas de trabalho, em qualquer lugar. Mas, com o tempo, fui me concentrando na Ásia, onde me sinto mais à vontade. Com as mudanças rápidas que vêm ocorrendo ali, fico atento à beleza perene do mundo natural, de modo a mostrar a natureza tal como é e como espero que continue a ser.
Antes de iniciar qualquer projeto, tento compor mentalmente as imagens de uma história. É assim que se estabelece o alicerce da sorte do fotógrafo. É preciso muita pesquisa para saber o que buscar. Logo que tenho a minha “lista de fotos”, me lanço à caça. Às vezes requer horas de caminhada ou longas esperas para que se dissipe a névoa em torno de uma montanha. Talvez seja preciso voltar muitas vezes ao local até obter a luz matinal perfeita ou mesmo esperar por outra estação do ano. Em geral, porém, o segredo do sucesso é saber identificar uma foto mesmo nas situações mais inesperadas.
Cada história adquire vida própria. Uma matéria sobre jardins japoneses virou livro, assim como aquela sobre o rio Mekong. O ensaio sobre Marco Polo tornou-se um livro de grande vendagem e um filme premiado. Em seguida, levou ao artigo, ao livro e ao documentário sobre o almirante Zheng He. Com a foto em película em via de extinção e os constantes avanços científicos, agora os fotógrafos precisam pensar além das páginas da revista ou das paredes da galeria, e explorar os novos meios, as novas tecnologias. Uma coisa, porém, jamais vai mudar: a capacidade de uma fotografia poderosa contar uma história.
Seguindo os passos do poeta japonês Matsuo Bashô, Michael Yamashita teve muitas oportunidades de obter imagens íntimas da natureza
Fotografar o Japão sempre foi uma busca da serenidade da natureza em uma época de grandes mudanças. Azaleias sinuosas fluem graciosamente pelo jardim do templo Daichiji, perto de Kyoto, enquanto chá e bolos são preparados para os visitantes. Um oásis de tranquilidade num país superpovoado, o jardim é um convite à meditação e à quietude da alma.
Mãos amorosas cuidam dos bonsais, árvores minúsculas cujas raízes e ramos foram podados para limitar seu crescimento. O mestre de bonsai Yamada Tomio segura um bordo japonês com 50 anos de idade e que vale milhares de dólares.
No bamba, uma competição típica de Hokaido, animais de tiro puxam trenós, cada qual lastreado com o peso equivalente aos dos cavalos. Arrastando-se em pistas de 200 metros, como esta em Obihiro, os animais têm de vencer duas lombadas. No limite de sua resistência, fazem uma tensa pausa antes do esforço final para superar o último obstáculo.
As formas fantasmagóricas dos barcos utase bune assombram o enevoado mar de Yatsushiro, enquanto pescam camarões, siris e peixes pequenos. Uma quantidade cada vez menor de famílias ainda usa estes barcos de quase 20 metros, projetados para arrastar redes na direção do vento enquanto são impelidos pelas brisas que sopram principalmente do norte. Agora, para complementar a renda, os pescadores também oferecem excursões a turistas.
Reluzente com tijolos novos, um impressionante trecho da muralha em Juyongguan, perto de Pequim, recebe mais de 1 milhão de turistas por ano. Para os conservacionistas, a consequente exploração comercial está colocando em risco um tesouro arqueológico.
Agarrar a cauda com as mãos acelera reunir o rebanho nas planícies da Mongólia Interior. A importância dos cavalos na vida mongol era evidente na corte de Kublai Khan. Marco Polo, um emissário privilegiado, relatou que Kublai certa vez recebeu de presente “mais de 100 mil excelentes e belíssimos cavalos brancos”.
Uma proliferação descontrolada de arranha-céus marca o acelerado crescimento da cidade de Shenzhen, resultado mais típico até agora do experimento chinês de abertura econômica. Hong Kong, o modelo de todas as cidades que brotaram no delta do rio Pérola, no sul da China, pode ser vista à direita, além dos tanques de criação de peixes.
No Grande Festival de Monlam, a tangkhaa sagrada é desdobrada e sua colorida iconografia exibida para admiração dos fiéis tibetanos reunidos no sopé do morro.
Brunei
Amanhecer sobre a mesquita do sultão Omar Ali Saifuddin, em Bandar Seri Begawan. Aventurando-se por um mundo de crenças variadas, Zheng He encontrou abrigo espiritual ao visitar este baluarte do Islã.
Camboja
À vontade no rio, as irmãs se banham nas águas quentes e poluídas ao largo da barragem de Phnom Penh. Âncoras e cargueiros enferrujados partilham a beira do rio com discotecas e hotéis de luxo. Com mais de 2 milhões de habitantes, a capital do Camboja é a maior cidade às margens do rio Mekong.
Bombas de fumaça, ruídos de artilharia e disparos de atiradores de elite simulam uma batalha enquanto paramédicos treinam a evacuação de um soldado sob a cerca de arame farpado. Segundo um oficial americano, “treinamos no mesmo terreno em que vamos lutar. E não vão ser necessários dois dias para estarmos prontos”. Se convocados, diz ele, “podemos entrar em combate hoje à noite”.
Irã
As variações climáticas extremas atormentaram Marco Polo – assim como Mike Yamashita – quando se aproximou do golfo Pérsico. Após cruzar gélidos desfiladeiros de 250 metros, ele enfrentou um “enorme calor” e avistou muçulmanos de pele escura, entre os quais uma mulher com véu em Minab.
Colaborador regular da National Geographic desde 1979, o norte-americano descendente de japoneses Michael Yamashita fez a maioria dos seus ensaios na Ásia. Mas também cobriu regiões como Somália e Sudão, Inglaterra e Irlanda.viajeaqui